Entrevista realizada pelas alunas do 5º F, Maria Fernandes, Constança Oliveira e Camila Dias, da Escola Básica Padre Himalaya, sob a orientação da Prof. Alexandrina Martins, ao Professor Catedrático da Universidade do Porto, Doutor Jacinto Rodrigues, no dia 13 de março de 2023, no âmbito da Semana Concelhia da Arte, Ciência e Leitura em homenagem ao Padre Himalaya.
1. (Maria Fernandes): Descobri o Padre Himalaya no 3º ano ao ler a obra “A Aventura de Himalaya”. E o Professor Jacinto, quando é que descobriu o Padre Himalaya?
Em 1975, quando cheguei a Portugal vindo de França onde estive exilado desde 1964.
Era lá professor de Ecologia e Ciências do Território na Escola Superior de Arquitetura em Rennes. Ao chegar a Portugal fiquei como Professor na Escola Superior de Belas Artes do Porto, Departamento de Arquitetura. Comecei então a investigar sobre a ecologia em Portugal, para dar aulas. Foi assim que, ao procurar num alfarrabista livros e revistas antigos sobre este tema, encontrei por acaso uma revista que se chamava Serões com uma entrevista a um português, Padre Himalaya, que tinha ganho um prémio nos EUA em 1904 com uma invenção dum aparelho solar chamado Pyrheliophero.
2. (Maria Fernandes): O que sentiu com essa descoberta?
Senti um enorme espanto e admiração por ver que um português, há 70 anos, foi pioneiro das energias renováveis tendo ganho o primeiro prémio da Exposição Universal de St. Louis, nos Estados Unidos da América.
3. (Constança Oliveira): Porque se interessou pelo Padre Himalaya?
Como eu tinha de dar aulas sobre Ecologia e Ciências do Território, achei que tinha a possibilidade de investigar um cientista português que até então me era completamente desconhecido.
4. (Constança Oliveira): Sabemos que escreveu muito sobre o Padre Himalaya. Na Biblioteca da nossa Escola existem livros escritos pelo Professor Jacinto. Como fez para escrever tantos artigos e livros sobre o Padre Himalaya?
Depois de ler o artigo da Revista Serões sobre o Padre Himalaya, fui pesquisar num Dicionário da Ed. Lello e fiquei a saber a data do nascimento e morte do Padre Himalaya, assim como o local onde nasceu que era Cendufe, nos Arcos de Valdevez. Fui então aos Arcos de Valdevez e a partir daí a investigação sobre este cientista nunca mais parou.
5. (Constança Oliveira): Na sua investigação descobriu muita coisa nos Arcos de Valdevez?
Sim. Vi uma escultura do busto do Padre Himalaya feita pelo escultor Eduardo Tavares em 1969, que se encontra na Alameda Dr. Francisco Sá Carneiro. Fui também à Câmara Municipal, à Biblioteca e ao Jornal Notícias dos Arcos. No Jornal falei com o Diretor Sr. Barros Pinto que foi muito amável e me mostrou jornais antigos sobre o Padre Himalaya. Falou-me sobre ele e comecei a escrever as primeiras notas desta pesquisa sobre o Padre Himalaya. Comecei a considerar que o Padre Himalaya tinha contornos duma personagem histórica nacional e internacional.
6. (Maria Fernandes): Na semana de 17 a 22 de Abril 2023 vamos homenagear um homem muito importante, Manuel António Gomes Himalaya. Já se fez alguma homenagem ao Padre Himalaya?
Sim. A 1ª homenagem foi em 1935 quando se fez a trasladação da urna, de Viana do Castelo para o cemitério de Cendufe onde construíram um mausoléu que aí se encontra. A 2ª foi em 1968/9 no Centenário do seu nascimento quando colocaram a escultura do busto e fizeram-se festejos e comunicações que a televisão cobriu. Depois a Cooperativa Árvore publicou o livro que escrevi em 1999 “A Conspiração Solar do Padre Himalaya” e fez-se uma exposição itinerante sobre o Padre Himalaya. Em 2003 o realizador Jorge António fez um filme-documentário “A Utopia do Padre Himalaya” baseado no livro de 1999 e já outros filmes foram feitos por outros realizadores. Em 2004 a Câmara dos Arcos com o apoio do GEPA, organizou um Congresso Internacional sobre a vida e a obra do Padre Himalaya. Formou-se também uma Associação do Padre Himalaya em Cendufe, na sua terra natal. Em 2013, a Câmara inaugurou a Rotunda do Padre Himalaya com uma obra do escultor José Rodrigues e publicou o 2º livro, Padre Himalaya Antologia com textos inéditos. Em 2015, a Associação francesa Les Amis du Padre Himalaya de Sorède, nos Pirinéus Orientais franceses onde o Padre Himalaya fez as primeiras experiências solares, inaugurou um pyrheliophero que está desde essa altura aberto ao público. Recentemente, em 2021, a Câmara dos Arcos inaugurou, com a presença do Presidente da República, as Oficinas de Criatividade Padre Himalaya, que também é um Centro de Ciência Viva. E este ano, a vossa Escola está a organizar a Semana das Artes, Ciência e Leitura cuja figura essencial é o sábio e cientista Arcuense, MAG Himalaya.
Assim, das cinzas do esquecimento, vai surgindo, pouco a pouco, a figura admirável dum sábio que se foi revelando localmente e internacionalmente.
7. (Camila Dias): Conheceu algum familiar do Padre Himalaya? Se sim, em que ano?
Sim. Nos anos 90. Quando cheguei a Cendufe descobri rapidamente a Casa da Costa e tive um memorável encontro com alguns dos sobrinhos netos do Padre Himalaya que ainda o conheceram em vida: a D. Rosa, o Sr. Anselmo e o Sr. Alberto, irmão da D. Rosa. Conheci ainda alguns sobrinhos bisnetos e como esta é uma história interminável, acabei por, ao longo de várias décadas, conhecer familiares do Padre Himalaya como a família Vaz e a família Coutinho que conheci o ano passado.
8. (Camila Dias): Sem ser a família, conheceu alguém que tinha informações importantes sobre o Padre Himalaya?
Sim, conheci duas pessoas que conheceram o Padre Himalaya e foram essenciais nesta minha investigação que dura até aos dias de hoje: o Professor Doutor Padre Avelino Jesus da Costa, Catedrático de Coimbra e o Dr. José Crespo, médico em Viana do Castelo, ambos já falecidos.
9. (Camila Dias): O que é que eles sabiam de importante?
Já tinham escrito alguns artigos e foram os primeiros biógrafos do Padre Himalaya. Eram pessoas duma vasta cultura e conhecimento histórico e credibilidade social. A partir daí comecei a desenvolver uma verdadeira aventura que foi a minha pesquisa em busca de informações sobre os lugares onde viveu, os inventos e as patentes que registou, as pessoas com quem conviveu, os países por onde andou, as casas em que viveu, as escolas e os cientistas que conheceu. E comecei a estudar a obra dispersa do Padre Himalaya em livros, jornais, revistas, recortes, cartas, fotografias, patentes, opúsculos, manuais, etc. em diversas línguas e nos diferentes países que visitei.
A consulta dos jornais, revistas e patentes em Portugal e no estrangeiro (Espanha, França, Itália, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos da América, Brasil, Argentina, África, etc.) foi um ponto decisivo para a pesquisa. Através de datas especiais sobre o Padre Himalaya, como a morte, palestras, registo de patentes, etc., fui construindo uma pequena biografia. Este é o exemplo duma metodologia de investigação em que construí um ficheiro que tem agora milhares de fichas com informações. Foi esse manancial de informações a partir da qual escrevi artigos e livros sobre o Padre Himalaya ao longo de mais de quarenta anos.
Nestes labirintos da memória e de tantos anos que levei, tive momentos de frustração e cansaço pelos enigmas e “buracos” que encontrei em toda a procura que fiz. Mas, nesta peregrinação tive sempre a Rosa ao meu lado, que me apoiou e ajudou neste percurso interminável de muitas décadas. Fiz também muitos amigos, pessoas que me ajudaram a encontrar informações e outras que me acompanharam na vontade de revelar esta personagem importante, o Padre Himalaya, pelos sonhos e realizações que deixou para a Humanidade
10. (Maria Fernandes): Sabemos que o Padre Himalaya viajou muito. Visitou alguns desses países?
Sim. Fui a alguns países por onde o nosso cientista andou.
Em Itália fui ao Jardim Botânico e aos arquivos. Escrevi também aos Arquivos Secretos do Vaticano.
Em França fui a Paris e pesquisei na Biblioteca Nacional, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial no Observatório de Meudon, no Colège de France, etc. Fui também aos Pirinéus Orientais e à aldeia de Sorède onde o Padre Himalaya montou, em 1900, um forno solar que atingiu cerca de 600º C.
Na Inglaterra visitei os lugares por onde andou e o cais onde o Padre Himalaya embarcou no navio Oceanic, para a América do Norte.
Nos EUA pesquisei na Biblioteca Pública de Nova Iorque onde encontramos materiais (jornais e cartas) sobre o Padre Himalaya, oferecidos por uma americana cientista e sufragista, Adéle Marion Fielde, amiga do Padre Himalaya. Em Washington também se encontraram cartas sobre o Padre Himalaya e Sarah Carr Upton que se corresponderam ao longo de vários anos. Mas foi sobretudo em St. Louis, no Missouri Historical Society que encontramos documentação variada sobre a Exposição de St. Louis em que o Padre Himalaya ganhou o primeiro prémio e também sobre a sua estadia nesta cidade e a relação com as famílias Garesché, Broderick e Bouscaren. Ainda na América do Norte visitamos a Smithsonian Institution, a Carnegie Foundation e o Carver Institute.
Na Argentina pesquisei em Buenos Aires, San Juan, Jauregui, Lujan e Calingasta.
No Brasil visitei Minas Gerais, terra natal de Emília Josefina dos Santos, sua benfeitora.
Na Alemanha visitei Bad Wörishoffen e para conhecer com maior profundidade os passos do Padre Himalaya fiz 15 dias de hidroterapia nas Termas onde o Padre Himalaya se foi curar e estudou naturopatia.
Em Angola procurei nos Arquivos notícias sobre o Padre Himalaya, mas infelizmente nada encontrei.
Estes são só alguns dos países por onde o Padre Himalaya andou. Faltam ainda muitos locais por desvendar e documentos por encontrar.
11. (Camila Dias): Entrevistou algum cientista?
Para aprofundar os estudos que realizei sobre o Padre Himalaya entrevistei alguns cientistas a quem muito agradeço como por exemplo Eurico da Fonseca, Delgado Domingos, Andrade Campos, Gonçalo Ribeiro Telles, Amand Darbon, Jean-Jacques Serra, René Legall, etc.
12. (Maria Fernandes): Pelas leituras e atividades que fiz na Escola, sei que o Padre Himalaya foi um homem fora do seu tempo. Que importância tem ainda o Padre Himalaya hoje em dia?
O Padre Himalaya foi fundamentalmente um homem virado para o futuro. Muitas vezes incompreendido no seu tempo ele conseguiu descobrir os sintomas negativos que o modelo urbano-industrial estava a produzir na biosfera. Não só revelou a contaminação e o esgotamento como propôs soluções de energias renováveis e um novo modelo de ecodesenvolvimento que buscava a sustentabilidade ecológica, isto é, uma economia circular que permitisse o surgimento de um mundo melhor.
A professora Alexandrina Martins